Presente do TUBA -

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" Não é a força ,mas a constância dos bons sentimentos que conduz o homem à felicidade".Nietzsche

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quinta-feira, 23 de abril de 2009

Castelo dos Desejos - V Capítulo.



















Tela pintada pela escritora e amiga Dalva Agne Lynch.












Capa do Livro.



Castelo dos Desejos - V Capítulo.

V

...Passava das dez horas da noite quando finalmente chegaram frente a uma muralha, precedida por uma ponte. A carruagem parou, e Mary despertou. A ponte abriu-se. Ao passar entre as pedras das altas paredes, ela ficou encantada, e o cansaço da viagem desapareceu. Pôde notar que o castelo era menor em tamanho, porém mais rico em cores, do que o outro. Este possuía uma harmonia de cores que a fez sentir uma afinidade ao olhá-lo. Entrou, maravilhada com tanta beleza. Todos, sem exceção, estavam exaustos. O desejo era unânime: queriam descansar. Mas a criada fez questão de preparar algo leve antes de se recolherem.

Lucas conduziu-a até uma das salas, onde havia uma lareira decorada com cavalos de prata em alto-relevo. Ficaram sentados um frente ao outro, e Lucas nem precisou usar de seus poderes para saber o que Mary estava pensando, pois, além do cansaço, ela demonstrava insegurança, ansiedade e tristeza, apesar de saber que ela havia gostado do lugar.

A ceia, leve e deliciosa, quase não foi tocada, pois o cansaço era maior do que a fome. Mary voltou-se para a criada, dizendo:

- Quero lhe agradecer por tudo o que a senhora fez por mim nestes dias.

- Não precisa me agradecer, senhorita.

-Preciso, sim, a senhora está sendo muito boa e atenciosa comigo.

Lucas interrompeu:

- Mostra-lhe o quarto.

Então a criada a conduziu até seus aposentos. Logo ao entrar no quarto, pensou estar vivendo um sonho, ao ver a mobília: do alto da cama até o chão, havia um mosquiteiro branco com largas fitas de cetim, fazendo uma bonita harmonia com os vários tons de rosa da decoração do quarto. Da janela vinha uma brisa que tocava as cortinas delicadamente. Possuída pela curiosidade, foi até a sacada que, a princípio, causou-lhe medo, pois sentiu vertigens ao ver o penhasco a seus pés. Com o vento batendo em seu rosto, aos poucos foi se acostumando à altura. E não podia ser diferente, pois, à sua frente, o céu cintilava com miríades de estrelas, e uma apaixonante lua dava-lhe as boas vindas!

Ficou ali por um bom tempo, ora admirando a beleza da noite, ora de olhos fechados, sentindo o vento levantar o seu vestido e tocar o seu corpo. Por vezes, seus cabelos soltos cobriam-lhe os seios e, quando eram jogados para trás, o vento parecia beijar-lhe o pescoço. Ela tinha certeza de que aquela noite jamais sairia de sua mente, mas seu corpo clamava por descanso, e ela sabia que era necessário atender ao seu pedido. Despediu-se da lua e das estrelas com um olhar de admiração, pedindo para que elas retornassem outra noite, pois a sua presença era bem-vinda.

Durante a noite, Lucas visitou seu quarto. Ela dormia profundamente, como uma criança. Seu coração lhe informava o que ele não queria saber e, em um sinal de alerta, insistiu, chamando-lhe a atenção, batendo mais forte a cada segundo diante dela. Lucas relutou, mas foi inútil. Resolveu sair do quarto.

Naquela manhã ambos acordaram tarde. Mary levantou-se com pressa e rumou para a sacada. Ao abrir a janela, encheu seus olhos, pois a tela que o céu pintara na noite passada fora substituída por um lindo dia de sol. Gaivotas sobrevoando bem perto da janela, a melodia do mar beijando as pedras e, ao fundo, uma paradisíaca praia, calma como um santuário, rodeada por coqueiros e muita vegetação. Era irresistível para qualquer ser humano, e uma forte vontade surgiu: queria molhar seus pés naquele mar! Saiu correndo pelo castelo, chamando a criada:

- Senhora! Senhora!

- O que foi, senhorita? – responde a criada, assustada.

- Como chego naquela praia?

- Sozinha a senhorita não conseguirá.

- Por quê?

- Porque, para chegar até ela, terá de passar por um labirinto.

- Que coisa estranha, um labirinto no meio do caminho de um lugar tão belo!

- É para a proteção do lugar. Os tataravós de Lucas mandaram construí-lo pensando nas futuras gerações, porque certa vez houve uma festa aqui e um dos convidados mencionou sua intenção de comprar a praia para construir casas para outras famílias. Claro que o tataravô de Lucas não vendeu, e foi a partir daquele dia que ele mandou construir o labirinto. Muitas pessoas já se aventuraram, mas é inútil, pois só os membros da família sabem onde está a passagem secreta.

- Mas se eu tentar entrar na praia pelo outro lado?

- Não será possível, pois todas as terras ao redor são da família, e mesmo por mar não é possível, pois há sempre um nevoeiro muito intenso que impede as embarcações de se aproximarem.

Triste, Mary insistiu:

- Mas eu quero ir até lá.

- Eu te levo – disse Lucas com voz firme, entrando na sala.

Mas Mary insistiu:

- Gostaria que a senhora fosse comigo!

- Ela precisa ficar para preparar o almoço. Se quiseres ir, precisa ser após a refeição.

Mary diz baixinho, no ouvido da criada:

- Eu tenho medo de ir sozinha com ele.

- Acredite em mim, senhorita, ele não fará nada que a senhorita não queira.

Mary vira-se para Lucas:

- Está certo, Lucas, aceito o convite.

Ela ficara meio receosa, mas só de pensar que logo mais estaria naquele lugar maravilhoso, podendo respirar ar puro e admirando aquele cenário tirado dos seus sonhos, esqueceu de todo o resto. Enquanto isto, ele relembrava a felicidade de tempos atrás, quando ali vinha passar meses com seus avós, seus pais e seus amigos. Sentia-se feliz também ao ver Mary mais solta, mais viva e radiante. Chegara a pensar que era impossível aquela bela jovem ficar ainda mais bela, mas havia se enganado. Mary parecia ter um toque mágico em seu rosto.

A criada preparou peixe, arroz, salada e sucos para o almoço. Depois de um breve descanso, Lucas pediu-lhe que trouxesse um lenço para cobrir a cabeça de Mary, e que a levasse até um baú, onde havia roupas apropriadas para a praia. Nesse meio tempo, continuou a escrever em seu diário. Quando levantou os olhos, viu à sua frente Mary, vestida em tons de azul e verde, as mesmas cores do lenço. Seu coração lhe disse o quanto ela estava linda. A combinação de cores fazia uma sintonia perfeita com sua pele, e se confundia com a cor de seus olhos. Ela não poderia ter escolhida melhor. Estava claro que ela tinha bom gosto. Ele respirou fundo, para disfarçar seu contentamento e para tentar diminuir o ritmo do seu coração.

- Estou pronta – disse ela, baixando os olhos.

- Então vamos.

Mary olhou para a criada como se pedisse ajuda, e seus olhos aflitos deixaram transparecer seu medo, sua insegurança. Todavia, era como se a água fosse libertá-la da prisão em que se encontrava. Deu um beijo no rosto da criada e seguiu ao lado de Lucas até a entrada do labirinto, onde parou, pensou e ficou relutante por um instante, observando a alta barreira feita pelas árvores. Voltou-se para seu guia, respirou fundo e começou a segui-lo.

O percurso deixou-a tonta, devido às muitas curvas. Era como se estivesse voltando e, ao tentar se refazer do mal-estar, perdeu-o de vista. Agora sim, estava perdida! Não sabia qual o caminho a seguir, e muito menos por qual retornar. Em prantos, entrou em pânico, ficando parada e apreensiva por alguns segundos, pois não levou mais que alguns segundos para que Lucas retornasse e a levantasse do chão em seus braços. Mary impulsivamente o abraçou com força, sentindo as fortes batidas de seu coração.

O abraço perdurou por um bom tempo. Era como se uma história já traçada por Cupido estivesse sendo selada. Ele limpou as lágrimas dela com toques doces e carinhosos, embora sua face mostrasse o contrário, como se o choro dela fosse apenas uma bobagem de mulher.

Ele a colocou lentamente no chão, e continuaram a caminhada. Dessa vez, ele diminuiu os passos para que ela pudesse acompanhá-lo, e logo chegaram à praia. A visão mais bela dos últimos tempos surgiu aos olhos de Mary, que abriu os braços, fechou os olhos, sentiu a brisa tocar seu corpo – deixando registrados em sua alma a cor do céu, a dança das ondas, o canto das gaivotas, o toque do vento e o cheiro do mar.

Lucas observou a sintonia existente entre Mary e a natureza daquele lugar. Registrou, através de seus olhos, a bela visão dela correndo de encontro ao mar, deixando, após um longo mergulho, as ondas calmas e brancas contornando o seu desejado corpo. Naquele mágico momento, sentiu inveja do mar, pois ela se entregava a ele sem recusas, desarmada... Uma entrega plena.

Sentado à beira-mar, escrevendo em seu diário, ele pensava:

- Quisera eu tê-la assim, espontânea, completa e com essa sede de entrega!

Como um guardião vigiando um tesouro, Lucas ficou observando todos os movimentos de Mary, registrando toda a beleza do lugar. Tudo à sua volta parecia ter outro brilho, outra cor e aroma. Sentiu uma paz jamais sentida, todavia sempre desejada. Sentiu também a troca de energia que o vento lhe proporcionava.

Ela parecia uma criança, tamanha sua felicidade ao brincar com as ondas do mar. Estava se sentindo livre como um pássaro naquele cenário como que tirado das telas de Monet e Renoir. Sentado, ele fazia anotações em seu diário, porém estava atento aos movimentos de Mary, não se incomodando com o vento tocando seu rosto. Assim, juntos contemplaram o pôr-do-sol, onde o azul do mar foi aos poucos substituído pela cor laranja.

- Como a natureza é bela! – disse Mary, aproximando-se de Lucas.

- Sim. Precisamos ir, pois em breve vai anoitecer. Pega esta toalha e enrola-a em teu corpo, caso contrário ficarás resfriada – foram as palavras dele, fechando o diário e cortando o assunto.

Ela sentiu a frieza através das palavras dele, mas sentiu também que, no fundo, havia certa preocupação para com ela. O caminho de volta realmente se tornou escuro e assustador quando tiveram que passar pelo labirinto, ainda mais com o piar das corujas que acompanharam os dois em boa parte do caminho. Realmente era tudo muito sombrio quando a noite chegava, pensava Mary, assustada e quase correndo. Quando avistou as luzes do castelo, respirou aliviada e apressou o passo, correndo de encontro à lareira para aquecer-se.

- Senhorita, seu banho está pronto!

- Que praia linda! Parece ser mágica!

- Sim, ela é muito bonita! Agora corra para o banho, senão ficarás resfriada.

- Deve ser mesmo verdade, pois hoje é a segunda vez que escuto essa frase.

- Meu senhor disse que a senhorita poderia ficar resfriada?

- Sim. Ele disse para eu me enrolar na toalha, caso contrário ficaria resfriada. Por quê?

- Nada, não.

E a criada saiu para arrumar a mesa do jantar. Encontrou-o sentado frente à lareira. Com o pensamento distante, ele nem percebeu que a criada o observava.

- Seu banho também está pronto, senhor!

- Volto logo. Enquanto isto, antes de preparar a mesa, dê a Mary roupas quentes para vestir.

- Sim, senhor, o quanto antes.

E saiu a criada, pensando qual roupa daria. Pouco tempo depois, a mesa estava posta e ele foi o primeiro a retornar à sala, trajando camisa e calça pretas e usando um perfume suavemente amadeirado. Pediu à criada que trouxesse uma taça de vinho tinto suave, safra 1750, e sentou-se, esperando ela retornar.

Ao primeiro gole do vinho, levantou os olhos e a imagem de Mary, descendo as escadas, fez seu coração disparar: cabelos molhados, usando um belo vestido de veludo lilás e um inebriante perfume de jasmim. A visão da bela jovem fez com que se sentisse vivo, e alimentou suas esperanças. Era como se escutasse uma voz dizendo-lhe que a felicidade de ambos só dependia dele. Porém, não deixou transparecer seus pensamentos, permanecendo com um olhar frio, embora presente, e ofereceu-lhe uma taça de vinho.

- Apesar de gostar, raramente bebo, mas aceito um pouquinho. Sabes, sempre que tenho uma oportunidade de ler sobre vinhos e olhar garrafas bem de perto, abraço-a sem pensar duas vezes. Gosto de tudo que se relaciona a eles, desde o plantio das uvas até o formato das garrafas!

- Ambos os castelos possuem uma adega. Era um hobby do meu tataravô – disse Lucas.

- Posso conhecê-las? – perguntou Mary, quase eufórica com tal possibilidade.

- Sim. Vais gostar das garrafas raras que meu tataravô colecionou ao longo dos cinqüenta anos que dedicou a esse hobby.

Enquanto isto, o jantar foi servido. O olhar atento de Lucas observava todo o requinte de Mary à mesa. Esta era a imagem que ele queria deixar registrada em uma tela: Mary, de olhos fechados, sentindo o aroma do vinho antes de degustá-lo. A tela imaginária fugiu-lhe dos olhos quando Mary o informou:

- Quero que saibas que tomei a liberdade de usar um perfume que estava junto às roupas que a criada me deu.

Neste instante, o rosto dele registrou um forte sinal de boas recordações.

- Logo que entraste na sala, senti o aroma. Esse perfume era o preferido de minha mãe.

- Então estás bravo comigo? Não o usarei mais, se assim o desejares.

- Pelo contrário! Sentir novamente esse aroma de jasmim, depois de tantos anos, só me faz bem! Traz-me boas lembranças.

E um tímido sorriso pousou em seus lábios – um sorriso jamais visto pela criada. E o jantar prosseguiu calmo, dando a Lucas raros momentos de pureza e sofisticação. Escutava-se apenas o som dos talheres nos pratos. Essa calma fez com que Mary se lembrasse de um importante detalhe: Lucas, pela primeira vez, estava jantando. Surpresa, tentou resgatar em sua memória lembranças dele à mesa, e lembrou-se de tê-lo visto, em várias ocasiões, bebendo vinho tinto e comendo uvas, mas se alimentando, não. Achou muito estranho, mas não deu muita importância a esse detalhe, pois era a primeira vez que o observava de verdade. Tudo lhe parecia diferente, como se ele fosse um outro homem: o olhar e o jeito dele se comportar pareciam de um cavalheiro educado e sereno, não os de um homem obcecado pelos prazeres da carne. Meio sem graça, ela perguntou:

- Quando conhecerei a adega?

- Amanhã bem cedo, porque hoje está tarde para irmos até lá.

- Está bem – disse Mary, meio triste.

Percebendo a tristeza em seu rosto, ele continuou:

- Mas, se preferires ir logo após o jantar, eu te levarei. Contudo, queria te avisar que o caminho até a adega é muito escuro.

Mary pensou por alguns segundos, olhou para a criada, que abaixou a cabeça, e disse, conformada:

- Pode ser amanhã, então.

Depois do jantar, foi-lhes servido um chá em xícaras de porcelana chinesa pintada com dragões dourados. Através da janela, ambos observaram a noite, que parecia convidá-los a um belo passeio. Sem pensar duas vezes, ele a convidou para conhecer o jardim. Ela, envolvida pela tranqüilidade do momento e pelo clima romântico, aceitou.

A lua cheia clareava o caminho. As estrelas no céu desenhavam um imenso vestido azul-escuro, bordado de brilhantes. Lado a lado, caminharam entre as estátuas colocadas ao longo do trajeto. Mary cortou o silêncio:

- Não consigo decifrar as imagens.

- São imagens de anjos e arcanjos. Amanhã, quando novamente passarmos por aqui, poderás contemplar sua beleza. No outro castelo há também um jardim parecido com esse, só que, ao invés de anjos e arcanjos, as imagens escolhidas são de deuses e deusas egípcios. Gostas de balanço?

- Sim, por quê?

- Porque logo à nossa frente há dois balanços. Meu pai mandou colocá-los na árvore mais alta, para que, quando eles viessem passar as férias aqui, ficassem se embalando em noites como esta.

- Vê-se que teu pai era um homem romântico, pelo pouco que mencionaste dele!

Sem querer muita conversa, ele disse, olhando para frente:

- Os balanços estão logo ali.

Quase correndo, Mary se aproximou dos balanços, dizendo:

- Eles são lindos! Como conseguiram plantar flores neles?

- Elas não foram plantadas. Quando minha mãe vinha aqui, trazia comida para os pássaros, e eles devem ter depositado as sementes no tronco da árvore, fazendo com que as plantas se alastrassem pelos balanços.

- Posso sentar?

- Sim, pode.

Ao ver Mary vestida com a roupa que era de sua mãe, e sentindo o seu perfume, por uma fração de segundos pareceu-lhe estar vendo-a. Recordações de um tempo feliz lhe vieram à mente, e uma forte saudade instalou-se em seu coração.

- O que foi? – perguntou ela.

- Saudade de minha mãe – disse ele, com um olhar distante e triste.

Sem saber o que dizer, Mary tentou consertar a pergunta:

- Sinto muito. E perdoa-me por estar usando os pertences dela.

- Sabe, Mary, de certa forma isto está fazendo bem para mim. Só tenho boas lembranças dela, e ver-te com as roupas que ela gostava, sentada no lugar onde ela mais gostava de ficar quando queria descansar, leva-me para uma nova realidade, cheia de surpresas. Sinto que mudanças estão ocorrendo dentro de mim.

Após suas palavras, um silêncio reinou na noite iluminada, que os observava e que se mostrou presente quando uma estrela cadente cortou o céu.

- Faz um pedido, Lucas! – disse Mary, olhando para o céu.

- Por quê?

- Faz... Rápido!

- Está bem, eu fiz, mas me responda só, por quê?

- Nunca te disseram para fazer um pedido, quando visse uma estrela cadente?

- Não. E ele acontece?

- Dizem que sim – respondeu ela, inocentemente.

- Não acredito nessas coisas. Acredito, sim, que quando desejo algo de verdade, insisto até conseguir.

- De qualquer forma? – pergunta ela, chateada.

- Utilizo todas as armas que possuo. Assim sempre consigo o que quero.

A decepção de Mary era visível. Seu semblante se transformou em segundos, de alegria, à tristeza. Ficou intrigada com aquela inconstância – uma hora doce e atencioso, noutra, amargo e intolerante. Ela sentiu que havia muito ainda para saber a respeito dele. E por que estava interessada em saber? Queria fugir, mas não era mais possível, pois seu coração batia forte cada vez que ficava sozinha com ele. E pior: sentia que não era só por medo. Na verdade, sentia algo muito forte, algo que até o momento não sabia explicar, mas contra o qual teimava em lutar.

- Estou cansada, Lucas. Podemos entrar?

- Como queira.

Ela percorreu, cabisbaixa, todo o trajeto até seu quarto, onde o choro lhe fez companhia até adormecer.

Ele a viu subindo as escadas, mas achou que seria melhor para ambos deixá-la sozinha. Por este motivo, dirigiu-se à biblioteca, a fim de fazer anotações em seu diário. Permaneceu ali até o sono chegar. Passando em frente à porta do quarto dela, parou e não resistiu: abriu-a bem devagar, e a encontrou dormindo. Aproximou-se, e percebeu em seu rosto ainda a tristeza. Ao sentir o travesseiro molhado de lágrimas, ficou realmente preocupado.

- Por que fui arruinar aqueles momentos tão suaves? – pensou ele, querendo voltar o tempo. Tirou os sapatos dela e ajeitou-lhe as cobertas. Estava preocupado, precisando descansar, então saiu.

Outro dia nasceu. O cheiro de café invadia o castelo. Na mesa, bolos, biscoitos, chás e sucos, expostos sobre a toalha branca, com bordados em alto-relevo e em tonalidades claras. Parecia ser um bom começo para aquele belo dia de sol, até Mary levantar a cabeça e Lucas ver seus olhos inchados e vermelhos.

Pensava ele, enquanto se levantava para que ela sentasse:

- Eu sabia que ela havia chorado, mas não tanto assim!

- Bom dia – disse ela, tristemente.

- Bom dia! Após o café, vamos à adega – disse ele, tentando alegrá-la.

- É mesmo! Já havia esquecido que íamos hoje à adega.

- Esquecido? Mas ontem estavas eufórica com a possibilidade de conhecê-la! O que houve?

- Lucas, eu gosto de tudo muito às claras. Por este motivo, vou te dizer o que estou sentindo. Sim, eu quero muito conhecer tua adega. Será algo prazeroso, tenha certeza. Sei que já notaste que chorei ontem à noite, até porque é impossível esconder todo este inchaço em meus olhos.

- Mas por que choraste?

- É isto que estou tentando te explicar. Às vezes pareces ser outro homem. Uma hora bom, noutra ruim. Pareces ser duas pessoas diferentes. Acho que neste castelo tu te comportas como um verdadeiro cavalheiro, mas às vezes aquele homem que conheci no outro castelo toma conta de ti. Fico confusa e com medo.

Antes de responder, ele fixou por um instante o infinito, respirou fundo e, olhando bem dentro dos olhos dela, disse:

- Tens razão, em parte. Não posso te dizer neste instante o que está acontecendo, mas podes ter certeza de uma coisa: não precisas ter medo de mim enquanto estivermos aqui. Não farei nada que tu não queiras.

- Não estou entendendo...

- Entenderás. Apenas não tenhas medo. Faz tudo o que desejares. Pede tudo o que quiseres, que eu atenderei... Menos ir embora. Confia em mim.

- Mas como posso confiar em ti?

- Esquece o que aconteceu no outro castelo. Peço-te para não teres medo de mim, porque aqui eu não posso te fazer mal algum.

- Quer dizer que não me queres mais? Desististe de me possuir?

- Não. Ainda te quero, e muito, só que te quero para sempre. Por isto, esperarei o tempo que for necessário.

- Mas como podes afirmar que me queres para sempre, se mal me conheces? Nem ao menos perguntaste meu nome. Penso que se não fosse por Igor, tu não o saberias até hoje.

- De que me adianta saber teu nome, se o que sinto é maior do que qualquer formalidade?

- O que sentes?

- Ainda não sei ao certo, mas sei que mexeu com a minha estrutura, e me deixa confuso.

Raciocinando com calma, ele percebeu que já falara demais. Assim, cortou o diálogo.

- O café está esfriando.

Mary, sem saber ao certo o que pensar, tomou o café em silêncio, com o olhar fixo nos bordados da toalha. Mil pensamentos passaram por sua mente num curto espaço de tempo. Chegou à conclusão de que ele estava apenas tentando enganá-la com aquela conversa toda. E ficou pensando:

- O que devo pensar? Será verdade ou mentira toda aquela conversa?

As perguntas martelavam sua cabeça. Resolveu dar um crédito a Lucas, mesmo desconfiada.

- Vamos então, Lucas?

- Espera apenas um pouco, porque preciso ir à biblioteca. Enquanto isto, coloca um casaco leve, porque o sol mal acordou e ainda faz frio lá fora.

- Mas onde encontro um casaco?

- Aos pés da cama há um baú com roupas que eram de minha mãe. Elas são lavadas uma vez por ano e postas no sol uma vez por mês, para não se estragarem ou mofarem. Escolha entre elas um que gostaria de usar. Digo isto para que saibas que mantive tudo do mesmo jeito que minha mãe gostava.

Enquanto Mary subia ao quarto, Lucas foi à biblioteca, abriu uma das gavetas da escrivaninha e tirou um livro. Tentou abri-lo nas últimas páginas, mas não conseguiu. Em vão tentou outra vez, fechando-o e abrindo-o somente na página onde havia registrado sua última anotação, mas ainda assim não conseguiu. Lembrou-se então que certa vez ouvira seus pais falarem a respeito de um livro cujas páginas só poderiam ser folheadas à medida em que as palavras fossem escritas, e que, como a capa era inteiramente preta, uma imagem surgiria nela após a última folha ser lida. Ele não ficou surpreso com o livro, apenas perguntou a si mesmo por que sua mãe o havia deixado para ele. E sentindo a caneta querendo mover-se em suas mãos, sentou-se e começou a escrever, como se levado por uma inspiração vinda de vales encantados, com fadas e duendes à sua volta. Tudo fluía sem que ele ouvisse o som das palavras. Apenas percebia que estava escrevendo, como se a sua mão tivesse vida própria. Só voltou à realidade quando ouviu a voz de Mary chamando-o. Com um olhar de admiração, levantou-se ao ver o casaco branco de caxemira destacando a cor dos cabelos e dos olhos da jovem. Sentiu o sangue mover-se mais fortemente em suas veias.

- Podemos ir? – pergunt0u ela, ao vê-lo aproximar-se.

- Sim, vamos.

- Não vai se agasalhar também, Lucas?

Ele respondeu, com um olhar de profunda admiração:

- Minha blusa está na sala. Quando passarmos por lá, eu a vestirei.

Ao encostar a porta da biblioteca, ele deixou cair as chaves. Simultaneamente, ambos se abaixaram para apanhá-las. No chão, seus rostos ficaram ao mesmo nível, e a beleza dos traços dela, assim a poucos centímetros de distância, não podia deixar de ser admirada. Suas mãos se tocaram. Sentiram o contato da pele um do outro. O som da respiração descompassada e o hálito agradável não podiam passar despercebidos. A cumplicidade do silêncio fez o passo seguinte nascer com naturalidade: um doce e desejado beijo foi depositado nos lábios de Mary, para que aquele instante ficasse registrado em suas mentes para sempre. Olhos fechados, sem se preocupar com o tempo. Ao abrirem os olhos, perceberam que o ritmo da pulsação e da respiração estavam alterados. Porém Lucas leu nos olhos de Mary que acabara de selar, com aquele beijo, um tratado de paz. Assustada com o ocorrido, Mary se levantou rápido demais, o que quase lhe provocou um desmaio, fazendo-a cair nos braços de Lucas.

- O que houve? – perguntou ele, assustado.

- Deve ter sido uma queda de pressão muito forte.

- Então faz o seguinte: senta de frente para mim, fecha os olhos, segura minhas mãos, abaixa a cabeça, respira fundo e, aos poucos, solta a respiração e levanta aos poucos a cabeça. Desta forma a oxigenação da tua cabeça se restabelecerá e te sentirás melhor.

Ela seguiu as instruções sem titubear. Foram segundos de agonia para Mary, observada por Lucas que, apreensivo, sofria juntamente com ela. Preocupava-lhe a palidez que insistia em não ir embora.

- Lucas! Ainda não estou bem – disse ela, com olhos que pediam ajuda.

- Eu sei. Abaixa a cabeça e repete novamente. Segura minhas mãos com mais força e tenta não ficar tensa, porque eu estou aqui.

Foi o que Mary fez. Segurou com força as mãos de Lucas, respirou fundo e lentamente levantou a cabeça. Quando seus olhos miraram os dele, pôde sentir o quanto ele estava preocupado e aflito através da expressão de seu rosto. A sensação de segurança contribuiu para que melhorasse rapidamente. A cor de seu rosto voltou à normalidade, mas sentiu um tremor seguido de um intenso frio de bater o queixo. Com Mary no colo, Lucas retornou à biblioteca e deitou-a no sofá. O corpo dela tremia demais. A fim de acalmar o frio que insistia em permanecer, deitou-se sobre ela.

- Não sinta medo, Mary... Quero apenas afugentar este frio que insiste em permanecer contigo.

Aquele corpo másculo e quente sobre o dela fez com que novamente aquela sensação de segurança tomasse conta de seus pensamentos. De olhos fechados, sentiu o calor que as mãos dele transmitiam ao seu rosto. Impulsivamente, beijou-as. Ele se surpreendeu com tal atitude e, olhando-a naquela posição, lentamente moveu os dedos por sua testa, olhos, orelha, queixo, lábios e pescoço, levantado-a carinhosamente em direção à sua boca. Neste instante, sentiu que o coração dela batia forte. A respiração se acelerava a cada movimento dele. Ela não relutou. Ele prosseguiu. Tocou seus lábios trêmulos, denunciando que estava nervoso. Novamente ela não relutou. Então, encaixou uma almofada embaixo da cabeça dela. Agora estavam com as mãos livres. Com os movimentos agora livres, contornou seus lábios com dedos que ela, com leves toques, beijava. Ela tentou abrir s olhos. Ele pressionou seu corpo contra o dela e, segurando sua cabeça, beijou seu queixo, sua boca e seus olhos. Envolvida pelo momento, ela não ficou sem forças, e nem mesmo tentou cortar esse clima de sedução.

A princípio foi um beijo tímido, mas o desejo de ambos foi aos poucos se instalando, denunciando-os através de suaves gemidos. Mary acabara de sentir, pela primeira vez, desejo por Lucas. Assustada, empurrou-o. Ele a segurou com força. Ela transmitiu seu medo através do olhar. Ele soltou-a.

- O que houve, Mary?

- Estou com medo do que estou sentindo.

- Medo de beijar?

- Não...

- Não precisa ter medo. Lembras? Farei apenas o que tu quiseres.

Ela se sentira envergonhada, porque correspondera a seu beijo... Porque ambos estavam envolvidos naquele clima... Porque, apesar de tudo, ela estava gostando de estar ali. Sentada, cabisbaixa, não conseguiu olhar para Lucas. Ele a fez encostar a cabeça em seu ombro, e alisou-lhe os cabelos.

- Mary, não serei demagogo, dizendo que não estou um pouco desapontado por não me deixares seguir em frente, mas espero que este progresso faça com que repense na possibilidade de se entregar por inteira a mim.

E beijou sua boca com volúpia.

- Agora vamos.

Mary seguiu à sua frente. Seus cabelos soltos e seu suave aroma de jasmim fizeram com que Lucas quase se deixasse levar pela vontade de abraçá-la. Chegaram à sala em silêncio. Ele pegou sua blusa de caxemira, e os olhos dela, como ímãs, se prenderam ao corpo exposto à sua frente. Observou seus braços, e relembrou a cena em que machucara os pés tentando fugir do castelo. Sentia, naquele momento, os braços dele a levantarem-na do chão. Não segurou o suspiro, e Lucas fingiu não escutá-lo. Naquele momento, nasceu dentro dela uma admiração embalada pelas batidas do seu coração. Uma admiração jamais cogitada, que agora corria dentro de suas veias, purificando-lhe o sangue e apaziguando-lhe a alma.

- Não – pensou ela – não posso me iludir com esses gestos gentis, toques suaves, com essa cara de bom rapaz. Devo estar enganada e, terminantemente, não posso me deixar levar por este clima romântico.

Com isto, ela tentava expulsar os sentimentos que acabavam de entrar em seu coração. Sentia que a barreira criada logo ao conhecê-lo começava aos poucos a ser penetrada pela flecha de Cupido. Ficou confusa, sem saber se o que ele dizia, se a forma como agia era nada mais do que mais uma forma de seduzi-la, ou se realmente havia sentimentos verdadeiros em seus atos.

- Vamos? Estou pronto. Ficarás surpresa com a quantidade e com a variedade de vinhos que a adega possui.

E rumaram em direção ao jardim. Diante das estátuas, Mary exclamou, encantada:

- Como essas estátuas são lindas! Tinhas razão quando disseste que, com a luz do dia, elas mostrariam toda a sua beleza. Esses anjos parecem querer dizer algo!

- O que achas que eles querem dizer? - perguntou Lucas, atento a cada detalhe.

- Isso eu não sei, mas que os olhos falam, isto falam.

Enquanto ela admirava as estátuas, Lucas a esperava no jardim ao lado, frente a uma cerca verde coberta por flores multicoloridas.

- Estou atrapalhando a nossa ida à adega, não?

- Fica o tempo que achares necessário. Contempla-as – disse ele, sorrindo.

- Posso retornar aqui mais vezes?

- Claro que podes!

Mary beijou o único anjinho de olhos fechados dentre as estátuas, e apressou-se ao encontro de Lucas.

- Não te assustes com a que verás agora, pois só assim poderemos chegar à adega.

De repente, a cerca dividiu-se ao meio.

- É uma passagem secreta?

- Sim. Chega mais perto de mim, porque agora entraremos num túnel escuro. Com a claridade que faz aqui fora, teus olhos demorarão a se acostumar com a mudança de ambiente.

Ela segurou seu braço, e ele a conduziu pela passagem, que se fechou logo após entrarem.

- Eu não gosto do escuro, Lucas. Por favor, tira-me daqui – pediu ela, quase entrando em pânico.

- Calma, só mais um segundo. Não podemos ficar parados. Temos que seguir em frente, e a claridade voltará.

A cada passo, as velas suspensas ao longo do túnel se acendiam como num passe de mágica. Lucas sentiu que Mary estava assustada, e entendia a razão. E continuou falando...

- É algo que meu tataravô projetou para este lugar.

Ela não acreditou muito na história, mas queria conhecer a adega.

- E se corrermos, elas também se acenderão?

- Sim, mas a adega fica logo depois da curva. Se estiveres com medo, segura minha mão que a conduzirei até a porta.

Ela olhou para ele, segurando suas mãos grandes e quentes que, além de emitirem calor, conduziram-na até a porta da adega, exatamente como ele havia dito, “logo após a curva”.

- Chegamos. Pode entrar.

Os olhos dela não acreditavam no que estavam vendo. Era uma adega encravada nas paredes de pedras cinza, tendo aproximadamente três metros de altura, com garrafas deitadas e inclinadas ao longo das paredes, com algumas poucas em pé.

- Esta é a coleção dos meus antepassados! – apresentou-lhe Lucas.

Encantada com a beleza das garrafas, Mary observou que muitas delas haviam sido engarrafadas em 1750. Havia garrafas de todas as cores, verdes, azuis e vermelhas. Lucas percebeu a sua felicidade pelo brilho que seus olhos irradiavam e, fascinado, observava cada gesto dela. Como um bom anfitrião, deixou que ela olhasse tudo ao seu redor sem interrompê-la.

- Quero te mostrar algo, Mary!

- O quê?

- Está na sala ao lado. Mas antes, quero que continues admirando a adega.

- Já vi o suficiente. E confesso que gostaria de vir mais vezes aqui.

- Podemos vir quantas vezes desejares – disse Lucas, encantado com a felicidade dela.

Mary parou junto à porta, olhou ao seu redor e exclamou:

- Realmente esta adega é fascinante! A variedade e a quantidade de garrafas guardadas aqui são de enaltecer a qualquer um. Agradeço ao teu tataravô por tê-la construído.

- Ele era exigente, e os seus escravos levaram muito tempo para concluí-la. Podemos ir então?

- Sim, podemos.

- Temos primeiro que levar uma garrafa de vinho tinto. Queres escolhê-la?

- Eu? Não. Escolha tu. Eu não saberia qual levar, pois tenho certeza que todas são valiosíssimas.

- Pode ser qualquer uma. Apenas siga a tua intuição – disse Lucas, encorajando-a.

- Posso mesmo? – pergunta Mary, desconfiada e sentindo a responsabilidade em suas mãos.

- Sim, é uma ordem.

Ao ouvir essa frase, ela sentiu certo medo dele e, olhando-o nos olhos, não teve como não obedecer. Então passeou entre as garrafas e ficou seduzida por uma de cor vermelha com letras douradas. Aproximou-se com cuidado, como se fosse a garrafa que a houvesse escolhido, e não o contrário. Virou-se para Lucas, segurando-a com as duas mãos, e perguntou:

- Pode ser esta?

Ele se aproximou, tirou a garrafa das mãos de Mary e, sorrindo, disse-lhe:

- Esta é a safra preferida da minha família. Boa escolha!

- Mas foi como se ela me tivesse escolhido. Não sei explicar – titubeou Mary, assustada.

- Não tentes entender, porque é exatamente assim: elas nos escolhem.

Quando ele proferiu essas palavras, Mary sentiu um arrepio percorrer seus braços, misturado com medo e espanto. Ele, por sua vez, com a maior naturalidade lhe disse:

- Vamos, vem, quero te mostrar algo que tenho certeza de que gostarás.

Caminharam então rumo à sala ao lado, descendo alguns degraus. Lucas empurrou uma das pedras da parede, e uma passagem secreta se abriu diante deles.

- Vem, Mary, não precisas ficar amedrontada.

Ela pensava:

- Como não ficar com medo de garrafas me escolhendo e portas se abrindo como num passe de mágica?

Todavia, quando viu o interior da sala, todo o medo que sentia até aquele instante foi superado por baús de bronze abertos, expondo uma infinidade de jóias. Não saberia dizer qual a mais bela dentre elas!

- Lucas! Posso tocá-las? – perguntou, encantada.

- Sim, claro que podes.

Ele ficou observando o brilho que os olhos dela emitiam, ao tocar com cuidado cada uma das peças. Eles brilhavam mais do que os brilhantes, esmeraldas, rubis, turmalinas e âmbares encravados nos anéis, colares, brincos, pulseiras e tiaras.

- Posso colocar este anel, só para ver como ele fica em mim?

- Sim, pode – disse Lucas, observando-a.

Um detalhe chamou-lhe a atenção: dentre tantas jóias, ela havia se interessado justamente pela que possuía o menor diamante. Aproximando-se, ele disse:

- Posso ver tua mão?

- Sim – respondeu Mary, sentindo o toque da mão dele.

- Por que escolheste esse anel?

- Por ser o mais delicado, e por ele ser o único em forma de coração!

Com receio, ela foi tirando-o do dedo.

- Não, não tira. Vamos achar o colar e os brincos que combinam com ele.

Mary, impressionada, perguntou:

- Há um jogo para cada anel nesta caixa?

- Sim, e se prestares atenção, notarás que um baú contém apenas tiaras, outro colares, nestes há anéis, e assim por diante.

- Eu havia apenas prestado atenção nos conjuntos dentro dessas caixas de veludo, que estão em cima das estantes. Por sinal, são os mais belos, se é que posso fazer tal afirmação. Entre eles, eu não saberia dizer qual possui maior beleza.

- Esses jogos que estão nas caixas eram os preferidos de minha mãe, e os que ela mais usava. Ela os escolhia conforme a roupa que usaria na festa, ou mesmo para ficar em casa.

- Ela tinha realmente muito bom gosto!

- Sim, tinha. Ela era muito bela também. Meu pai se apaixonou desde o primeiro momento em que a viu.

Dizendo isto, ele fitou por alguns instantes o infinito. Enquanto isto, Mary procurava o colar e os brincos para comporem o conjunto.

- Olha, Lucas. Encontrei-os!

- Pois coloca-os dentro dessa caixa de veludo preto.

Assim fez Mary, num misto de cuidado e de admiração.

- Agora vem por aqui. – disse Lucas, indicando o caminho – Quero te mostrar algumas peças de ouro. E entraram numa sala onde uma parede, mais parecendo uma escada, se abria. Nela havia baús repletos de jóias, com estátuas em formato de anjos e dragões medindo aproximadamente meio metro cada. Ao vê-la parada em frente às jóias, ele lhe pediu que escolhesse uma corrente.

- Pode ser fina?

- Não, Mary. Não é a espessura fator predominante na escolha, e sim a que mais te chame a atenção. Apenas um detalhe, quero que a uses durante o dia.

- Então precisa ser fina.

- Não necessariamente. Escolha aquela de que mais gostas.

- Não posso.

- Por quê?

- Porque essas jóias são da tua família, e eu sou uma estranha. Agradeço, mas prefiro apenas apreciá-las.

Com ar de surpresa, ele respeitou o desejo dela e disse, em tom de tristeza:

- Pensei que as mulheres gostassem de jóias.

- Sim, gostamos.

- Então por que não aceitaste meu presente?

- Um presente?

- Sim, um presente.

- Sendo assim, não posso recusá-lo. Mas sendo um presente, prefiro que tu o escolhas.

Lucas ficou feliz, mas não demonstrou, e disse:

- Posso escolher qualquer uma? Tu não a recusarás?

- Sendo um presente, jamais. É indelicado recusar.

- Vamos então, pois esquecemo-nos do tempo, aqui dentro da adega.

Mary dirigiu-se para o mesmo caminho por onde haviam entrado e, por encanto, Lucas desapareceu, sem que ela percebesse. Na tentativa de retornar, ela ficou parada, tentando encontrar a saída. Todavia, as paredes a confundiam. Para que não houvesse um desencontro, preferiu esperar por ele ali mesmo, contemplando uma delicada corrente de ouro de 24 quilates, com desenhos em ouro branco. Os brincos que formavam conjunto com ela tinham um sublime diamante suspenso em cada um. Como Lucas não estava por perto, Mary colocou na orelha os brincos e tentou fechar a corrente. Mas a corrente era curta, quase uma gargantilha. Ela não o conseguiu. Foi neste exato momento que sentiu as mãos dele encaixando o feixe da corrente, fazendo-a ficar frente a frente com ele.

- Deixa-me ver como ficou o conjunto em ti.

Não se contendo com tamanha beleza, ele exclamou:

- Tu não poderias ter feito melhor escolha! Estas jóias combinarão com todas as roupas que usares. Aceita-a.

- Mas... Mas...

- Por favor?

Em silêncio, Mary deixou transparecer em seu rosto uma desconfiança em relação ao presente. Porém, como havia dado um voto de confiança, baixou os olhos, colocou uma das mãos no brinco e balançou a cabeça em sinal de aprovação. A jóia havia lhe dado um toque de realeza.

- Vem , a saída é por aqui – disse Lucas, apontando para o lado oposto àquele de onde haviam chegado.

Passaram por diversos corredores, até uma gruta de pedra com cachoeira e árvores de copas pequenas. Orquídeas subiam pelos troncos. Ao chão, violetas faziam um tapete multicor, indicando o caminho da saída, escondida na parede. Ele se aproximou e empurrou. O caminho abriu-se, levando-os para dentro da biblioteca do castelo.

- Lucas, por que não entramos na adega por aqui? É mais perto.

- Porque não conseguiríamos. A entrada é por lá.

- Queria te dizer uma coisa... – disse Mary, levantando docemente o rosto – Queria te agradecer pelos momentos bons e principalmente tranqüilos.

- Não é preciso me agradecer.

- Sim, é preciso. Porque fazendo uma comparação com os momentos vividos no primeiro castelo, os quais só em relembrar me assustam, todos os vividos aqui são de harmonia e de paz. Sem contar com a confiança que depositaste em mim, mostrando-me as jóias da tua família e até por este presente, que pretendo devolver.

-Mary, presente é presente. Não é educado devolver um presente. Por favor, não fale mais nesse assunto.

Ela ficou sem graça, e notou que ele realmente queria presenteá-la.

A noite se aproximava com todo seu esplendor. Depois do banho, Mary foi deitar-se, pois suas pernas lhe pediam uma pausa devido a todo o trajeto percorrido durante o dia. Seus olhos reclamavam um descanso, porém agradeciam tanta beleza exposta e guardada na alma! De olhos fechados, não escutou os passos da criada entrando em seu quarto, vendo-a feliz e radiante. Não era necessário perguntar-lhe nada, pois era visível na face da jovem o dia maravilhoso que tivera.

- Senhorita, meu senhor gostaria que usasse este vestido.

Ela se levantou lentamente. Seu corpo parecia colado à cama. Colocou o vestido, que era de veludo marrom bordado em dourado com o brasão da família de Lucas. Frente ao espelho, exclamou:

- Que vestido magnífico! Era da mãe dele?

A criada confirmou. Mary alisou o vestido, passando as mãos sobre os bordados. Seu rosto deixou visível seu desconforto.

- O que foi, senhorita?

- Que linha áspera!

- Os bordados deste vestido – informou a criada sorrindo – são feitos com fios de ouro. Meu senhor disse para trazê-lo porque ele combina com a jóia que está usando.

- Acho que ele tem bom gosto – disse Mary, sorrindo.

- A senhorita não vai relutar?

- Não. Estou dando uma chance para que ele se redima do que aconteceu antes de virmos para cá.

Agora só faltava ajeitar seus cabelos, que ainda estavam úmidos. Com a ajuda da criada, repartiu-os no meio e prendeu alguns fios com um grampo. Era a escolha mais adequada. A criada se afastou um pouco para examinar o efeito.

- A senhorita está linda!

- Bondade sua – responde Mary, beijando-a.

Ela desceu as escadas apressada. Ao chegar à mesa, sentiu uma ponta de decepção tocar seu coração ao não encontrá-lo. Todavia, o vento que tocava a cortina trazia consigo o perfume dele no ar. Mary girou a cabeça à sua procura.

- Venha, senhorita – disse-lhe a criada, junto à mesa.

Seu coração se alegrou ao vê-lo em pé ao lado da cadeira, à sua espera. A face dele trazia uma felicidade impossível de ser escondida. Seu cabelo molhado acrescentava um toque de sensualidade ao belo exemplar masculino que era. Vestia uma camisa de veludo marrom com abotoaduras de ouro, gravadas com o brasão da sua família.

A criada sorriu discretamente ao vê-los vestidos como um casal em dia de festa. A sintonia que pairava no ar fazia com que ela pressentisse um novo caminho à frente.

Lucas ajeitou a cadeira para Mary sentar-se. Ela delicadamente agradeceu.

O jantar foi servido, regado pelo vinho que Mary escolhera. Poucas palavras foram pronunciadas ao longo da ceia. Todavia, nenhuma palavra poderia dizer mais do que os olhares que ambos trocaram. Depois da sobremesa, a criada retirou os pratos e trouxe um licor de coco, servido num cálice de cristal com bordas de ouro branco que Mary, por pura delicadeza, aceitou. Tomou apenas três goles, pois não estava acostumada a beber. Aproximou-se dele e, olhando-o bem dentro dos olhos, disse:

- Grata pelo belo dia que me proporcionaste!

Segurando as mãos de Mary, Lucas respondeu:

- Posso te proporcionar muitos dias iguais ou melhores que este. Basta que permitas.

Beijou-lhe uma das mãos com ternura.

- Boa noite, Lucas – despediu-se ela.

- Fica mais um pouco!

- A caminhada me deixou muito cansada. Sinto muito. Confesso que se ficar conversando, acabarei dormindo no sofá.

Sorrindo, Lucas insistiu:

- Fica! Se dormires, eu te levo para o quarto. Fica mais um pouco!

Ela acenou em afirmativa.

- Sim, eu fico. Entretanto, afirmo que não serei uma boa companhia devido ao cansaço.

- Talvez não possas ver, mas tua companhia sempre me faz bem. Não precisas falar nada. Basta ires comigo até o jardim de inverno.

Assim, dirigiram-se para o jardim. Durante o trajeto, as estrelas e a lua pareciam observá-los. Era um belo jardim! Permaneceram ali calados, sentindo o aroma das flores, admirando a delicadeza das violetas e a beleza das orquídeas e das rosas. O silêncio só foi interrompido quando Lucas se levantou e pediu a Mary para esperar um pouco, pois ia buscar algo para beber. Ao se afastar, Mary encostou a cabeça no braço do sofá e, vencida pelo cansaço, adormeceu.

Quando Lucas retornou e a encontrou em profundo sono, tentou acordá-la, mas em vão. Em pé diante dela, admirou o reflexo da lua em seu rosto. Todavia, nem a claridade da lua conseguiu despertá-la. Segurou-a nos braços, apertou seu corpo contra o dele e, desta forma, conduziu-a até o quarto, onde a colocou sobre a cama, adormecendo a seu lado.

Mais um dia chegou, trazendo uma nova esperança no amanhecer. Nessa exata hora, como em todos os dias de sua vida, a criada passava pelos aposentos do castelo abrindo as janelas, para que seu dono e os hóspedes começassem a despertar. Nos últimos tempos, desde que Mary surgira no castelo, não se surpreendia com cenas tão doces como aquela que acabava de presenciar: os dois dormindo vestidos, porém abraçados. Logo deduziu que o ato havia sido consumado. Assustada, deixou cair o vaso junto à porta, acordando-o.

- Perdão, senhor! – exclamou ela, amedrontada.

- Não pense bobagens. Mary continua pura tal qual chegou aqui no castelo. Posso lhe explicar o que aconteceu.

- Não é necessário, senhor.

- Mas eu quero. Adormeci a seu lado depois de trazê-la para a cama.

- O senhor não me deve explicações. Entretanto, quando os vi abraçados...

- Nós dormimos abraçados?

- Sim, senhor. Dormiram.

Lucas sorriu. Perdido em seus pensamentos, esqueceu que a criada se encontrava diante dele. Com um brilho de felicidade nos olhos, devaneou. A criada saiu sem que percebesse. Ainda por alguns instantes, pareceu embriagado pelas palavras da criada.

Dirigiu-se para seu próprio quarto e foi tomar um banho. Quando seu corpo entrou em contato com a água, viu o reflexo de seu rosto. A esperança que tinha em relação a Mary estava estampada em seu rosto, e nem mesmo a água podia dissolvê-la. Relembrou diálogos, gestos, olhares. Por um bom tempo, viajou em pensamentos. Porém, ao dar-se conta de como tais pensamentos insistiam em visitá-lo, molhou o rosto, respirou fundo, e questionou-se em voz alta:

- O que está acontecendo comigo? Que sentimento é este, que parece impregnado em mim?

Tentou incessantemente ter pensamentos maus, mas todas as tentativas falharam. Saiu do banho e, ao secar-se, sentiu uma grande paz envolvendo seus pensamentos. Foi quando se surpreendeu colocando uma camisa branca. Ele jamais havia usado a cor branca.

Era cedo para o café. Sentiu uma súbita inspiração a lhe soprar poemas, e uma vontade de deixá-la registrada em seu diário. Quando a sua mão tocou o papel, sentiu como se os deuses do Olimpo estivessem dirigindo sua mão, desenhando letras e moldando-as em poesia.

Após escrevê-las, leu o que registrara. Não pôde acreditar na enorme beleza daquelas poesias, e prosseguiu escrevendo. Quando estava na quinta poesia, entretanto, sentiu a sua inspiração bloqueada pelos sons que vinham da cozinha. Ela ficou assim, incompleta. Tentou terminá-la, mas não conseguiu. A criada entrou no quarto, dizendo:

- Posso servir o café, senhor?

- Sim, mas espera até que Mary se levante.

- Ela está na sala, à sua espera.

- Sendo assim, sirva o café. Diga a ela que já irei, mas, se ela quiser, poderá começar sem mim.

A criada cumpriu as ordens. Seu pensamento estava voltado à cor da camisa que ele vestia. Ficou analisando os fatos e tirando conclusões.

Mary, por sua vez, resolveu esperá-lo sentada na poltrona frente à escada, admirando os mosaicos das paredes. A mais bela visão naquele instante, entretanto, foi Lucas descendo as escadas, vestido de branco. Causou-lhe arrepios.

Esperando encontrar o mesmo Lucas dos últimos dias, Mary não conteve a felicidade ao vê-lo tão belo, e disse, sorrindo:

- Essa camisa branca realçou a cor da tua pele! Deverias usá-la mais vezes!

Apesar de ter adorado receber tal elogio, em nenhum momento ele demonstrou agradecimento, e respondeu friamente, dizendo estar cansado de cores escuras, tendo, por este motivo, optado pelo branco.

Ela sentiu vontade de chorar, mas engoliu as lágrimas, guardando-as para outro momento. Tudo indicava que infelizmente haveria esse outro momento.

Sentados à mesa, antes mesmo do primeiro gole de café, Lucas pediu à criada para que chamasse um dos seus empregados. Nesse meio tempo, observou a tristeza de Mary, pelos seus olhos baixos e pelo seu silêncio.

Com a chegada do empregado, Mary ficou sabendo que Lucas pretendia vistoriar suas terras, não sabendo o horário em que retornaria. Mais uma tristeza, no curto espaço de tempo daquela manhã, apagou de vez o sorriso que Mary havia tido ao acordar. Trazida por ventos contrários, uma saudade inexplicável invadiu o seu coração, fazendo-a perder a fome. Tentou disfarçar, mas não conseguiu, pois sentia como se ele estivesse indo embora para nunca mais voltar.

Lucas, olhando Mary fixamente, viu seu presente adornando seu delicado pescoço. Sentindo-se gratificado, deixou escapar um tímido sorriso. Nesse instante, parece que uma cortina se dissipara, e lhe permitia captar os fluídos tristes que vinham do olhar da jovem. Ele informou que voltaria assim que pudesse, em um tom melancólico e triste. Tentava falar com firmeza, mas seu coração doía, como se também nunca mais fosse tornar a vê-la.

- Preciso ir, esta vistoria é necessária – informou-lhe. Ao empregado ele disse:

– Vamos!

Antes de subir no cavalo, transmitiu a Mary, através do olhar, todas as palavras sentidas e não ditas, e depois saiu, sem olhar para trás. Ela, por sua vez, seguiu-o com os olhos, e depois correu escada acima, até o andar mais alto do castelo, tentando vê-lo à distância. Quando não mais foi possível avistá-lo, sentiu como se tivesse levado uma facada no coração, tamanha foi a dor que sentiu. A criada se aproximou:

- O que foi, senhorita?

- Ele não voltará.

- Voltará, sim.

- Então me responda, por que sinto este aperto no coração?

- A senhorita deveria saber a resposta.

Mary rapidamente respondeu, tentando se enganar:

- Estou gostando da companhia dele, é só isto.

A criada se afastou sorrindo, deixando Mary olhando o infinito através da janela. Minutos depois, seduzida pelo aroma do café, resolveu retornar à mesa, ainda posta à sua espera. Bebeu chocolate quente e comeu pão com geléia de uvas, ambos feitos pela criada...





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