VII
Durante uma semana inteira, as paredes daquele castelo presenciaram monólogos entre os dois.
Mary havia esgotado o seu cardápio. Lucas parecia apenas preocupado
- Eu sei o que fizeste, Mary – disse Lucas, com um fio de voz.
Mary ficou muda. Ele continuou:
- Só uma coisa me deixa assim, sem forças: alho. Tu colocaste alho na comida, por quê?
Ela tentou disfarçar, dizendo, sem olhar para os olhos dele:
- Eu gosto de alho! Queria que a comida tivesse um sabor diferente.
- Olha para os meus olhos. Vem aqui! Senta de frente a mim.
Mary assim atendeu ao seu pedido. Sentou-se frente a Lucas, com os olhos cheios d’água e cabisbaixa.
- Olha pra mim – diz ele quase sussurrando.
Ela levantou os olhos, fixou-os nos dele e, nesse exato momento, o seu choro se fez mais presente.
- Eu não sei o que dizer – disse ela, baixando os olhos.
Ele tentou unir forças para abraçá-la, mas o máximo que conseguiu foi segurar suas mãos. Contentou-se, porém, em poder tocá-la. Ela encostou a cabeça em seu peito e disse:
- Estou arrependida. Por favor, me perdoa! Há algo que eu possa para consertar este meu erro?
Lucas ficou em silêncio, e sentiu que ela estava arrependida. Calmamente disse:
- Pára de chorar. Para tudo há uma solução.
- O que devo fazer para que melhores? – perguntou, aflita.
- Tenho que me alimentar e tomar um chá que só a criada sabe fazer.
Observando-a, notou que Mary ia aos poucos se acalmando. Ela se levantou, pegou a comida e levou-a à boca de Lucas, mas logo ele adormeceu. Vigiando o sono dele, algumas horas depois, ela também adormeceu.
Lucas acordou no meio da noite, e ficou feliz em saber que ela permanecera ali. Mas logo voltou à realidade, ao sentir suas forças fugindo. Precisava urgentemente reverter aquele quadro. Foi quando se lembrou da forma mais rápida, prazerosa e eficaz que conhecia. Porém afastou a possibilidade, e se perguntou:
- Por que não?
Ele adormeceu com nuvens de dúvidas em sua cabeça.
Uma nova esperança nasceu naquela manhã. Mary, com uma bandeja de café, chegou ao quarto de Lucas. Ao vê-lo frágil e quase sem cor , ainda dormindo, pensou que o pior havia acontecido. Nuvens negras pousaram no ar, naquele instante. O susto fez com que deixasse cair tudo ao chão, acordando Lucas. Ela se aproximou correndo e o beijou apaixonadamente. Ele relutou um pouco, apenas por não conseguiu unir forças o suficiente para aquele momento também esperado.
- Por favor, afasta-te. Preciso respirar – disse ele, soltando a frase dentro dos lábios dela.
Aflita ela disse, diante dos seus olhos:
- Eu pensei... e chora ajoelhada aos pés dele.
- Sei. Pensaste que eu estava morto.
- Sim, pensei.
- Aproxima-te. Fica bem perto de mim.
Assim ela fez, e o abraçou fortemente.
As lágrimas que rolavam de seus olhos foram levemente sugadas pelos lábios de Lucas. O gosto salgado, porém vindos de sentimentos tão puros, foram atenuando o mal que o alho havia lhe causado. Sentiu uma melhora, todavia não o suficiente para deixá-lo de pé. Enquanto tentava acalmá-la, vivenciava momentos únicos. Simples como um pássaro voando. Verdadeiros como a existência do sol e da lua. Tudo parecia contribuir para que o momento tão esperado por ele estivesse a um passo de se realizar. Tê-la em seus braços era tudo o que queria! Mas precisava se recuperar.
Foi quando a essência do seu sangue falou mais alto, e ele pensou, olhando para o pescoço dela:
- Preciso recuperar as minhas forças. Preciso tê-la!
O desejo existente naquele momento deu passagem ao desejo que se fazia presente. Mesmo sabendo que não teria forças o suficiente para mordê-la, encostou os lábios e intercalou beijos naquele pescoço desejado. Mas quando abriu a boca e pressionou levemente os dentes, sentiu o cheiro do sangue dela correndo – doce e quente, tornando-o mais forte. Mary sentiu um arrepio de desejo. Ambos gemeram de prazer!
Tê-la nos abraços contribuiu para uma melhora visível. Lucas sentiu que ficava mais forte a cada segundo, mas o barulho de um pássaro se debatendo contra a janela o interrompeu. O barulho cessou apenas quando Mary se afastou dele e rumou em direção à janela. Diante dela, avistou o jardineiro.
- O jardineiro chegou! – exclamou ela.
- Diga-lhe para subir.
- Voltarei com uma nova bandeja de café.
- Não. Prepare-a e peça ao jardineiro para subir com ela.
Mary assim o fez. Minutos mais tarde, o jardineiro subiu ao quarto, com a bandeja nas mãos. No seu semblante estava escrito que a ordem de Lucas não fora atendida.
Lucas comenta:
- Nem precisas dizer nada. Sei que não conseguiste trazer ninguém.
- O senhor tem razão. Como estava previsto, nenhuma das moças das redondezas viria trabalhar aqui. Tenho notícias da criada. A sua mãe morreu, e ela me pediu para avisá-lo que me breve retornará.
- Estou precisando dela aqui urgentemente.
- O que houve?
- Mary acrescentou alho às refeições.
- Isto é terrível! E como o senhor está? - perguntou o jardineiro, assustado.
- Na medida do possível, estou bem. Mas preciso me alimentar e tomar aquele chá.... Traga-me a bandeja.
- Mas o senhor pode acabar com essa fraqueza e reverter o quadro quando quiser.
- Eu sei, mas não quero usá-la. Leva-me até a janela.
Enquanto Lucas tomava o café, o jardineiro ficou o tempo todo ao seu lado. Levou-o até a sacada, e fez com que ele respirasse ar puro.
- O senhor que eu lhe cuide?
- Não. Quero que Mary me cuide. Mas quero que prepares as refeições. Assim, não corro o risco de ingerir alho novamente. Se sentires dificuldade em relação ao cardápio, vá à biblioteca e pegue o livro de receitas de, Vita Barata, ou um dos livros do Nilson Olivo, amigos da minha mãe. De posse deles, o senhor conseguirá preparar saborosos pratos.
O jardineiro ajudou Lucas a voltar para cama. Ao encontrar Mary no corredor, informou-lhe que estava proibida de entrar na cozinha para preparar a alimentação de todos e, especialmente, de Lucas.
- Eu perdi a confiança que tinha na senhorita. – disse o jardineiro, decepcionado.
As palavras dele a deixaram ainda mais triste. Sentiu que perdera um amigo. Pediu-lhe desculpas. Ficou confusa e caminhou em direção ao quarto de Lucas. Abriu as janelas. O vento varreu as energias mortas e levou consigo a esperança do reencontro. Ao vê-lo dormindo, chorou baixinho e sentou-se aos pés da cama. Os minutos se passaram devagar, como se não houvesse o completar das horas. O choro incessante fez Mary sentir fortes dores de cabeça. Sentindo-se desprotegida e rejeitada, lembrou-se de que havia deixado Lucas à beira da morte. Encostou a cabeça na cama e adormeceu.
Quando o jardineiro chegou com o almoço, Lucas estava acordado e Mary dormindo, abraçada aos seus pés.
Lucas pediu silêncio, com o dedo à boca e um gesto com as mãos para que o jardineiro entrasse.
- Deixa-a dormir.
- Eu estava pensando em ajudá-lo a tomar um banho, antes do almoço.
- Também estava querendo este banho. Mas o calor das mãos dela, em meus pés, estão me fazendo bem. Como se a energia que a envolve estivesse sendo transmitida a mim.
- Não será o carinho e a preocupação que ela tem demonstrado?
- Pode ser. Mas nunca me disseram que havia um terceiro antídoto para o efeito do alho.
Mary acordou quando Lucas já havia terminado de fazer a sua refeição. O jardineiro pediu para que ela sentasse à mesa, junto à janela. Envergonhada por tudo, ela recusou, dizendo estar sem fome.
- A senhorita precisa se alimentar.
- Se não for pedir muito, gostaria de tomar apenas um chá de camomila.
Lucas insistiu para que ela se alimentasse. Ela novamente recusou. Em silêncio, ficou sentada na poltrona, enquanto que Lucas permanecia na cama. Havia na face dele uma melhoria visível, que a tranqüilizava.
O jardineiro retornou ao quarto trazendo na bandeja o chá e algumas bolachas.
- Enquanto a senhorita toma o chá, levarei o meu senhor ao banho.
Assim ele fez. Enquanto isso, logo após o segundo gole de chá, ela começou a sentir tonturas. Segurou-se na mesa, caso contrário, cairia ao chão. Permaneceu sentada e não informou aos dois do seu mal estar. Alimentou-se devagar, dando tempo deles voltarem ao quarto. Então levantou-se e informou-lhes que precisava se deitar.
Quando chegou ao centro do quarto, entretanto, caiu ao chão. O jardineiro correu e a levantou, enquanto Lucas apenas conseguiu gritar o seu nome. Pediu ao criado para colocá-la deitada na cama ao seu lado, e que trouxesse um copo de leite com sal e um mingau de chocolate. Assim fez o jardineiro.
Tendo-a na cama ao seu lado, ele não resistiu, e, com certa dificuldade, segurou as suas mãos, fazendo-a sentir-se segura. Ficou assustado ao ver a palidez na face da jovem, e encontrou forças para descontraí-la, dizendo com um sorriso:
- Se eu não estivesse tão fraco, aproveitaria a situação e a seduziria.
Mary moveu levemente os lábios, e encostou a cabeça no ombro dele. Adormeceu poucos minutos depois, sentindo-se segura. Mas como não estavam conversando, Lucas não soube o momento exato em que adormecera, e continuou esfregando as suas mãos às dela.
O jardineiro retornou, trazendo na bandeja duas taças de mingau e um copo de leite.
- Vou colocá-la aqui no criado mudo, assim ficará mais perto para o senhor pegar, quando a senhorita acordar.
- Mary está dormindo? – perguntou Lucas, surpreso.
- Sim, e parece um anjo adormecido.
- Podes te recolher. Não precisarei mais dos teus serviços por hoje.
Poucos minutos depois, Mary acordou tonta, e tentou se levantar. Não conseguiu. Lucas estendeu o braço em direção à bandeja e lhe ofereceu o copo de leite.
- Isto é horrível – disse ela, franzindo a testa. Lucas sorriu e disse:
- Vamos tomar o mingau. Ele é doce, está quente e é feito com chocolate. É uma receita da minha mãe. Tenho certeza que gostará.
- Qualquer coisa seria melhor do que este leite com sal!
Ambos riram. Ela outra vez tentou se levantar, mas não conseguiu.
- Felizmente não posso te levar nos braços até o teu quarto.
Ela sorriu ao ver a expressão da face dele ao pronunciar felizmente, e perguntou-lhe quando o jardineiro voltaria.
- Dispensei-o por hoje.
- Ele não voltará nem para trazer o jantar?
- Esqueci do jantar. Tens razão, acho que ele voltará nesse horário.
Faltando muitas horas ainda até o jantar, Mary encostou a cabeça no ombro de Lucas e ambos conversaram sobre diversos assuntos. Após constatar que ambos tinham os mesmos gostos, apesar de parecerem tão diferentes, ela concluiu que eram uma só pessoa, vivendo em dois corpos. Ele fez questão de gravar à mente que ela gostava de música clássica e de música romântica; gostava de todo tipo de arte, principalmente pinturas em tela, marchetaria e teatro; da sedução que sentia ao escutar os acordes de um piano, e do cheiro agradável do jasmim. Que gostasse mais da lua mais do que do sol teve um lugar especial em seu coração; que amava as estrelas e se rendia às carícias que o vento fazia em seu corpo.
Envolvido pelo clima, Lucas deixou escapar que uma de suas paixões, assim como com seu tataravô, era os vinhos, mas que a sua preferência ia para os tintos suaves. Assim como Mary, era apreciador da boa música e da arte em sua plenitude. Piano era uma das suas paixões mais antigas. Quando sentiu que estava abrindo demais o seu coração, calou-se, para que ela abrisse o seu. E ficou encantado com a beleza da alma dela, e da pureza de seus sentimentos.
- Estou adorando a nossa conversa, mas os meus olhos insistem em se fechar. Tu te importarias se eu dormisse um pouco? – perguntou Mary, cansada.
- Descansa. Eu guardarei o teu sono, enquanto dormes.
- Prometes que me acordarás quando o jardineiro chegar?
- Talvez – ele riu.
Abraçada a ele, Mary adormeceu novamente.
Lucas experimentara uma sensação jamais vivenciada. Estava surpreso com a simplicidade dos momentos passados ao lado dela, e com a sincronia das conversas, mas estava também ciente da grandeza e da importância de tê-los vivido. Queria poder parar o tempo naquele momento, queria possuir poderes além dos que possuía.
As primeiras estrelas no céu estavam surgindo, quando o jardineiro retornou ao quarto com o jantar. Ele avistou Lucas e Mary dormindo abraçados. Jamais acordaria um casal naquela situação. Sabiamente, raciocinou que a comida para o corpo poderia esperar, porque, naquele momento, ambos alimentavam suas almas. Fechou a janela, cobriu os dois e saiu.
Lucas despertou durante a noite, e a visão de Mary deitada e dormindo ao seu lado o inspirou a escrever. Assim ele fez, e passou grande parte da noite escrevendo em seu diário.
Um novo dia nasceu e, com ele, a esperança de Lucas, ao ver a criada entrar no quarto.
- Ainda bem que retornaste – disse ele, respirando fundo.
- O que houve? Por que Mary dorme ao seu lado?
- Calma! Vou te explicar tudo o que aconteceu durante a tua ausência.
A criada ficou chocada e se sentiu culpada ao saber do ocorrido.
- Tu não és culpada de coisa alguma, fica calma. Apenas espero que providencie o quanto antes o chá.
Recuperado, Lucas agradeceu à criada, e pediu para que ela se fosse. Esperou que Mary acordasse, fingindo dormir.
Ao vê-lo deitado a seu lado, com a camisa aberta, ela não resistiu e beijou-lhe a boca, e acariciou-lhe o rosto com as mãos, descendo até seu peito. Ele não resistiu quando os lábios dela novamente encostaram-se aos seus, e retribuiu aquele beijo ardente, apertando-a contra o corpo dele. Impôs a sua força quando a mesma tentou escapar, mas depois soltou-a, fingindo não estar recuperado. Inocentemente, ela disse:
- Lucas! Acho que estás melhorando!
- Sim, estou. Porém preciso que continues dormindo comigo até que me recupere completamente.
Ela pensou um pouco. Achou estranho tal pedido. Então lembrou-se de que ele estava naquela situação por culpa dela e aceitou, dizendo:
- Se dormir ao teu lado contribuir para a tua recuperação, eu dormirei.
Ele continuou:
- E farás tudo o que for necessário, em benefício da minha plena recuperação?
Ela fez uma longa pausa antes de responder.
- Sim, farei.
Lucas sorriu, beijou-lhe a face e informou:
- Não precisa. Recuperei minhas forças depois que tomei o chá que a criada fez.
Assustada, ela tentou dizer algo, mas ele explicou:
- Calma! Estava apenas verificando se farias qualquer coisa mesmo.
- Fico feliz que tenhas melhorado – ela respirou, aliviada. – Posso ir ao encontro da criada?
- Sim, claro que podes!
A felicidade ao saber que a criada estava de volta ao castelo fez com que ela esquecesse a fragilidade em que o seu corpo se encontrava no momento. Não havia forças suficientes para que se mantivesse
- Permaneça assim, deitada. Vou pedir ajuda à criada.
Alguns minutos se passaram e a criada chegou com chá, leite quente e algumas bolachas e pãezinhos. Abraçaram-se.
- Senti saudades da senhora – informou Mary, quase chorando.
- Eu também, senhorita.
Conversaram sobre tudo o que havia acontecido desde a sua partida enquanto Mary se alimentava.
- Posso acompanhá-la até a cozinha? Quero lhe ajudar.
- A senhorita ainda se encontra fraca. Descanse um pouco. Trarei o almoço aqui. Hoje tenho que providenciar um jantar especial para Lucas.
- Um jantar especial? Por quê?
- A senhorita não sabe, mas hoje é o aniversário dele.
Os olhos da jovem brilharam como dois diamantes, tamanha a surpresa.
- Gostaria de dar-lhe um presente. Mas o quê?
- Que tal a senhorita melhorar? Escolhe um lindo vestido, e sente-se à mesa com ele!
- É uma boa idéia! Mas quero presenteá-lo.
Assim ficou, pensando no presente, sem notar quando a criada saiu do quarto.
A ansiedade não a deixou dormir. Mal a criada retornou, e ela foi logo dizendo:
- O que a senhora vai preparar de sobremesa?
- Fiz um mousse de maracujá. Por quê?
- Pensei em fazer uma sobremesa para Lucas.
- Qual? – perguntou a criada, curiosa.
- Ambrosia – respondeu Mary.
- A senhorita sabe fazer ambrosia?!
- Sim. É uma receita da minha família.
- Lucas sempre quis comer essa sobremesa, mas nunca encontrou alguém que soubesse fazê-la.
- Nem a senhora?
- Ambrosia é o doce dos deuses do Olimpo! Parece-me que ela é capaz de tornar imortais aqueles que dela provarem.
Mary sorriu e disse:
- Quanto à imortalidade, isto é lenda. Mas que o doce é maravilhoso, isto posso lhe assegurar. É o meu preferido! Posso fazê-lo, então?
- Não só pode, como deve. A senhorita me ensinaria?
- Claro – respondeu Mary, feliz – vou precisar de dois litros de leite, dez ovos, meio quilo de açúcar, dois limões médios, cravo, canela em pedaços, e uma panela grande. Quando faltar aproximadamente duas horas para o jantar ficar pronto, a senhora me chama para que eu comece a sobremesa, digo, o meu presente.
- Só isso, para um doce tão raro e desejado?
- O segredo está em como fazê-lo – disse Mary, fazendo um ar de suspense.
- Descanse agora. O chá que a senhorita tomou vai lhe trazer as forças necessárias para se levantar e preparar o presente.
Ao sair do quarto, a felicidade era visível na face da criada. Mary, logo após ficar sozinha, adormeceu serena, como se tudo o que estava acontecendo fosse fruto da sua imaginação. Enquanto ela dormia, Lucas retornou ao quarto. Ficou decepcionado ao encontrá-la dormindo. Precisava, sem uma razão específica, olhar aqueles olhos claros como uma grama virgem, e escutar o som de veludo que a voz dela possuía. Contentou-se em olhar os traços da face dela, e admirar os contornos dos seus lábios. Saiu minutos depois em direção à biblioteca.
As horas passaram depressa. Como combinado, a criada veio buscar Mary, que se sentia forte para descer até a cozinha e preparar o doce. Em silêncio fecharam a porta, para que Lucas não desconfiasse de nada.
Mary colocou os ingredientes na panela e explicou à criada todo o processo pelo qual o doce passaria. Quando a mistura começou a ferver, exalando um cheiro inebriante no ar, foi impossível escondê-lo por muito tempo. Lucas e o jardineiro, levados pelo olfato, chegaram à cozinha.
- O que está fazendo aqui, Mary?
- Estou melhor. Vim fazer um doce. Uma receita antiga da minha família.
- Diga-me qual é o nome desse doce – perguntou Lucas, curioso.
- Tu te importarias se eu dissesse só na hora do jantar?
- Não vejo a razão para tal.
- Explico-te: é uma surpresa.
- Sendo uma surpresa, espero até o jantar, mas quero experimentá-lo também – disse ele, sorrindo.
- Com toda certeza! O senhor também poderá provar deste doce – informou Mary ao jardineiro.
- Se for tão bom quando o doce de abóbora, eu quero, sim.
- Este eu garanto que é melhor!
Ambos afastaram-se. O carrilhão, na sala ao lado, informou que era a hora do jantar. Mesa posta, a criada e Lucas esperaram, ao lado da mesa, até que Mary descesse. Ansioso, ele havia começado a subir as escadas, quando ela apareceu, linda, trajando um longo vestido preto com alças de cristal.
- Atrasei-me um pouco, pois estava indecisa quanto à cor do vestido – disse ela, descendo as escadas.
- A espera valeu a pena! – exclamou Lucas, indo ao encontro dela.
A criada serviu o jantar, e colocou uma garrafa de champanha sobre a mesa.
- O que iremos comemorar nesta noite? – perguntou ele à criada.
- O dia do aniversário do senhor!
- Agora entendo o clima de segredo! Mas se não me dissesses, passaria despercebido.
À mesa, o clima era festivo, comemorado a dois. Uma boa comida, um silêncio celestial, olhares que diziam mais do que mil palavras. Por vezes, eles pareciam escutar acordes de anjos ecoando pela sala. Lucas lançou olhares de admiração a Mary, que, encabulada, perguntou:
- Sendo hoje o teu aniversário, tens direito de fazer um pedido e receber presentes.
- Todo aniversariante tem. Tu sabes o que quero de presente – disse ele, mudando a tonalidade da voz.
- Estou falando de algo que desejas há muito tempo.
Lucas ficou pensando, lembrou da ambrosia, e disse:
- Tu não vais me dizer que o doce que estavas preparando é ambrosia!
- Sim. Ela é o meu presente de aniversário para ti.
Lucas ficou parado, sem saber o que dizer. Aquele era o doce procurado por sua família há mais de cinco séculos. Era visível a sua ansiedade, a ponto de se levantar e ir até a cozinha.
- É verdade? – perguntou à criada.
- Sim. É ambrosia, mesmo!
- Eu sabia que Mary era especial desde o primeiro instante. Mas por nenhum segundo pensei que seria ela a portadora de um segredo tão valioso.
A criada acrescentou:
- Valioso e surpreendente! O senhor pode imaginar os benefícios que o doce trará?!
- Sim.
- Acho que o senhor está esquecendo um fato importantíssimo.
- Não estou conseguindo captar onde queres chegar.
- O doce foi feito pelas mãos de Mary!
- Sim. Não acompanhaste a sua preparação desde o início?
- Senhor Lucas, o doce foi feito pelas mãos de uma virgem que, no dia do seu aniversário, ofertou-lhe o presente de livre e espontânea vontade!
Lucas ficou calado e pensativo. Sentado, visualizou a imagem do dia
Olhou para a criada e disse:
- Não acredito no que está acontecendo.
- Nem eu. Estou paralisada e feliz!
Lucas voltou rapidamente à sala. Mary perguntou-lhe, assustada:
- O que houve Lucas?
- Fui pedir à criada que servisse a sobremesa.
- Mas era só balançares a sineta que ela viria!
- Mary, tu não sabes há quanto tempo procuro alguém que saiba fazer este doce.
- Quando soube que hoje era o teu aniversário, mencionei à criada a possibilidade de fazer uma ambrosia para te oferecer como presente. Notei, através dos olhos dela, o quanto te faria feliz. Ela me disse que era um desejo antigo, provar deste doce. Então, pedi a ela que providenciasse os ingredientes. Mas como eu estava de cama e precisava melhorar, ela me deu um chá, e só depois desci até a cozinha e fiz o doce.
- Sem sombra de dúvida, foi o melhor presente que eu poderia ter recebido! – exclamou Lucas.
- Não é para tanto. É apenas um doce – disse Mary, sorrindo.
Naquele instante chegou a criada com uma tigela de prata contendo o doce tão desejado. Colocou-o cuidadosamente sobre a toalha de linho branco, bordada com trigos dourados. Os olhos de Lucas brilhavam. A felicidade era contagiante, e em seus lábios havia um sorriso difícil de ser apagado. Porém os seus olhos estavam atentamente direcionados a Mary desde quando retornou da cozinha.
- Como se come o doce? – perguntou ele a Mary, parecendo uma criança.
- Como qualquer outro doce.
- Não existe um ritual para comê-lo? – perguntou ele, curioso.
- Não. O fato de não encontrar alguém que o fizesse foi apenas falta de sorte. Agora fiquei preocupada.
- Por quê? – perguntou ele, namorando o doce.
- Porque traçaste uma expectativa tão grande em relação a ele, que talvez não gostes quando provares.
- Tenho certeza de que gostarei do meu presente.
Mary ficou observando a reação dele ao colocar a primeira colherada na boca: olhos fechados e movimentos leves ao saboreá-lo. Mary esperou um pouco e disse:
- E então? Gostaste do doce?
Lucas respirou fundo, olhou bem dentro dos seus olhos dela, segurou suas mãos com força, e disse:
- Sim. É maravilhoso! Nem sei como te agradecer.
- Não precisas agradecer. É apenas um doce, e, quando quiseres, poderei fazê-lo novamente, ou a criada o fará para ti.
- Ensinaste à criada? – perguntou, surpreso.
- Sim. Sem ser repetitiva – é apenas um doce – respondeu ela, sorrindo e balançando a cabeça.
Lucas beijou-lhe as mãos e compreendeu a razão da jovem se tornar cada vez mais bela a cada amanhecer. Sua generosidade realmente era mais umas das qualidades que possuía. Uma ponta de arrependimento veio como uma fecha em seu coração, ao lembrar de todo o mal que lhe havia feito passar. Por alguns segundos, o seu semblante se alterou, e um ar de tristeza pairou em seu rosto. Ao provar a segunda taça do doce, sentiu uma paz reinando no castelo. As cores ao seu redor pareciam ter um brilho especial. Quando o silêncio se fez presente, ouviu sons de harpa. Parecendo estar nas nuvens, ele a levou até a porta do seu quarto.
- Ainda não te cumprimentei, Lucas. Perdoa-me! Ficamos tão envolvidos com o doce, que acabei esquecendo de te beijar.
- Podes me beijar agora. Ainda é o meu aniversário.
Mary fechou os olhos e um longo beijo se fez presente, o qual Lucas retribuiu abraçando-a pela cintura. Assim ficaram com os corpos arrepiados, corações acelerados e o desejo à espera do passo seguinte. Envolvido neste clima, ele encostou Mary à parede e levantou-lhe o vestido à altura da cintura, fazendo-a sentir seu corpo inteiro colado ao dele. Um gemido ecoou no corredor. As paredes foram testemunhas de mãos ousadas, beijos ávidos, corpos quentes e desejo presente.
A entrega foi mútua. Lucas a colocou nos braços e a conduziu para dentro do quarto. Ele a beijou antes de colocá-la ao chão. Começou a se despir diante dela. Envergonhada, abaixou os seus olhos. Ele a beijou novamente e a fez ficar de costas. Sem pressa, desabotoou o seu vestido e baixou as alças. O corpo dele pulou ao ver suas costas nuas. Beijos foram depositados nela, enquanto alisava seus seios com as mãos. Um longo gemido saiu dos lábios de Mary. Neste instante, sentiu o corpo dela se arrepiar. Virou-a de frente e fez com que o vestido caísse ao chão, o que provocou o corpo dele a reagir de forma ainda mais intensa. Beijou-a ardentemente, colocando-a nos braços e levando-a à cama.
Sem pressa, com a boca e as mãos acariciou o corpo da jovem, onde elas fizeram um ritual que iniciou nos pés, passando pelas pernas, coxas, umbigo, seios, pescoço e olhos. Ela emitia gemidos durante todo o percurso, mesmo quando sentiu as mãos em seu sexo. A vontade de ser possuída afastava o medo que sentia do desconhecido. Suas pernas foram cuidadosamente afastadas. Com toques suaves, ele forçou a passagem com os dedos, sem êxito. Enquanto tirava o restante de suas roupas, pensava:
- Por que estou nervoso diante dela?
Nu, posicionado em cima dela, tentou não demonstrar ansiedade, a fim de tranqüilizá-la. Entretanto, todo o seu ser clamava por aquele corpo nu, que se contorcia à espera das delícias do sexo.
Lucas almejava possuí-la mais do que tudo e todas que já tivera. Sentia que o seu corpo lutava contra a paciência, deixando-o tão excitado a ponto de encostar o seu sexo ao dela. O calor sentido por ambos, e a intimidade próxima da consumação, fez com que ele usasse da sua experiência ao longo dos anos. Só que desta vez era diferente. As lembranças de outros corpos em sua cama trouxeram-lhe firmeza e doçura no mesmo cálice. As suas armas de sedução não foram necessárias naquele momento. Bastou seguir o ritmo dos toques esperados. Entre carinhos, beijos e sedução, Lucas tentou mais uma vez abrir a passagem, empurrando os dedos com mais força. Assustada, ela fechou as pernas, abraçou Lucas fortemente e, num quase sussurro, disse:
- Dói...
Lucas jamais pensou que, ao escutar aquela simples palavra, seu desejo aumentaria ainda mais, a ponto de invadir completamente o seu corpo. Imediatamente pensou em continuar, mas, num relâmpago de inteligência, manteve as pernas fechadas e a abraçou. Mary, sentindo-se segura, compensou deixando-o explorar o seu corpo inteiro. Adormeceram horas depois, vencidos pelo cansaço e pelo sono...
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